RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
REQUERENTE : UNIÃO
REQUERIDO : SINDIFISCO NACIONAL – SIND. NAC. DOS AUD. FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS – SE000000M DECISÃO
Cuida-se ação inibitória de greve, com pedido de liminar, apresentada pela União contra o SINDIFISCO NACIONAL – Sindicato Nacional dos Auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil, com o objetivo de suspender o movimento grevista deflagrado pelo requerido.
A parte requerente narra que a greve deflagrada pelo SINDIFISCO NACIONAL foi comunicada à Receita Federal por meio de ofícios e a
intensificação do movimento tem afetado a prestação de serviços essenciais da Receita Federal.
Alega que o referido movimento fere a proporcionalidade, os direitos da coletividade e compromete a governança da Receita Federal do Brasil.
Afirma que envidou esforços para a reabertura do diálogo institucional, tendo atuado junto a Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda e com a Secretaria Executiva do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) a fim de viabilizar a retomada das negociações entre a entidade sindical, tendo apresentado proposta de acordo que, no entanto, foi rejeitada.
Ressalta que, para alcançar plena efetividade, a vedação ao direito de greve das carreiras de segurança pública deve abranger ações correlatada que interfiram sobre o desempenho adequado e regular das atividades, como a ameaça de paralisação, a operação-padrão ou operação-tartaruga, as quais devem ser reputadas igualmente ilícitas, sob pena de macularem todo o sistema constitucional, fomentando um estado anárquico e com potencial perda de controle social.
Argumenta que “a probabilidade do direito resta demonstrada pela flagrante violação à lei, ausente comunicação por parte do SINDIFISCO à União acerca do recrudescimento do movimento grevista, com novas operações-padrão aleatórias, paralisações e atos que intensificam a
greve deflagrada” (fl. 15).
Destaca que “a Receita Federal do Brasil exerce determinados serviços essenciais ao bom funcionamento da máquina estatal e a diversas atividades da sociedade, as quais não podem ser interrompidas pela paralisação de um movimento grevista. Como atividade essencial, a interrupção de suas atividades, ou diminuição de sua performance, afeta diretamente a capacidade do Estado Brasileiro, em todos os seus poderes e esferas, de manter e custear a estrutura estatal e, especialmente, de financiar e executar as políticas públicas de interesse da sociedade” (fl. 15).
Argumenta, ainda, que “muitas das atividades do órgão central da RFB estão praticamente paralisadas, prejudicando gravemente a transparência e governança da instituição, bem como alguns serviços à sociedade, conforme os seguintes exemplos: não houve apresentação de relatórios de receitas de 2025, que ocorria mensalmente, interrompendo a transparência. Com isso, dificulta-se a gestão adequada da Receita Federal, que tem dificuldade de mensurar o comportamento da arrecadação de receitas; a extração de relatórios gerenciais está gravemente prejudicada, impedindo-se o acesso do governo aos próprios dados relativos à tributação e arrecadação; a elaboração de estudos, relatórios e projetos normativas também está gravemente prejudicada, considerando a paralisação no âmbito das subsecretarias e em especial da Coordenação Geral de Tributação; houve atraso de 15 dias na
disponibilização integral da facilidade da declaração pré-preenchida; o manual de utilização do Programa Gerador de Declarações do IRPF não foi atualizado até a presente data, o que prejudicou o conhecimento da sociedade sobre o uso das novas guias do PGD” (fl. 24).
Requer, por fim:
a) a concessão de medida liminar para suspender imediatamente o movimento paredista abusivo dos Auditores-Fiscais da Receita Federal em razão dos incalculáveis prejuízos ao funcionamento da Administração Pública Federal nos seguintes termos:
a.1) vedando-se a realização de “operações-padrão” nas atividades essenciais da Receita Federal do Brasil, bem como a vedação da realização de “operações-padrão”, de forma aleatória, sem qualquer espécie de comunicação prévia ao ente público nas demais atividades, o que viola o dever de prévia notificação previsto no art. 13 da Lei n.º 7.783/89;
a.2) determinando-se a manutenção da integralidade da força de trabalho da Receita Federal do Brasil, no percentual de 100% (cem por cento), nas atividades consideradas essenciais e elencadas no OFÍCIO SEI N.º 77512/2024/MF (em anexo) e a fixação de percentuais mínimos de força de trabalho nas demais atividades da Receita Federal do Brasil;
b) a citação do réu para, querendo, contestar a ação;
c) a procedência da presente demanda, confirmando-se a medida liminar, nos termos requeridos;
d) o arbitramento de multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por dia de descumprimento da tutela de urgência concedida.
É o relatório.
De acordo com o art. 300 do CPC, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Ou seja, o deferimento do pedido de tutela provisória de urgência exige a presença simultânea de dois requisitos autorizadores: o fumus boni iuris, caracterizado pela relevância jurídica dos argumentos apresentados no pedido, e o periculum in mora, consubstanciado na possibilidade de perecimento do bem jurídico objeto da pretensão resistida.
O direito de greve dos servidores públicos está previsto na Constituição Federal e teve sua legitimidade reconhecida pelo STF nos autos do Mandado de Injunção n. 712/PA, relator Ministro Eros Grau, julgado em 25/10/2007 , DJe n. 31/10/2008
Ao dirimir a questão, a Suprema Corte determinou que a Lei Federal n. 7.783/1989 fosse aplicada à greve no serviço público até que sobrevenha norma regulamentadora, tendo ainda estabelecido os parâmetros concernentes ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos, dadas as particularidades concernentes ao regime jurídico-administrativo.
Em seguida, o STF definiu que compete ao Superior Tribunal de Justiça solucionar o dissídio coletivo de greve no serviço público
quando o movimento paredista for de âmbito nacional, ou ainda quando a paralisação compreender mais de uma Região da Justiça Federal, ou mais de uma unidade da Federação (Mandado de Injunção n. 708/DF).
No caso, a documentação apresentada na inicial, consistente no ofício encaminhado pela entidade sindical apontada como ré ao poder público, indica que a noticiada paralisação envolve servidores da receita federal em todo território nacional, o que firma a competência desta Corte Superior para apreciar o correspondente dissídio de greve.
Não obstante o reconhecimento do direito de greve pelo Supremo Tribunal Federal, é preciso preservar o interesse público relativo à prestação do respectivo serviço, sobretudo daqueles considerados essenciais, em atenção ao princípio da continuidade do serviço público, impedindo, assim, que a paralisação da respectiva categoria cause danos severos à coletividade.
Na hipótese, não há dúvidas de que o serviço prestado pela categoria defendida pelo SINDIFISCO NACIONAL- Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – configura atividade essencial.
Com efeito, a Receita Federal do Brasil executa atividade essencial ao funcionamento do Estado, conforme expressamente positivado pela Constituição Federal e ratificado na Lei nº 11.457, de 2007: Constituição Federal
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do
Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma
integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.
Lei n º 11.457, de 2007
Art. 1º A Secretaria da Receita Federal passa a denominar-se Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão essencial ao funcionamento do
Estado, de caráter permanente, estruturado de forma hierárquica e diretamente subordinado ao Ministro de Estado da Fazenda e que tem
por finalidade a administração tributária e aduaneira da União.
Outrossim, prescreve a Lei 7.783/1989:
- Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a
garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a
saúde ou a segurança da população.
Art. 12. No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis.
Art. 13. Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a
comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.
De acordo com as normas destacadas, tratando-se de atividade essencial, todas as partes envolvidas devem colaborar para que os
serviços indispensáveis à população não sejam interrompidos.
No caso, são razoáveis as ponderações trazidas pela União quanto à manutenção dos serviços essenciais prestados pela categoria grevista,
diante da necessidade de se assegurar a observância do princípio da continuidade do serviço público e o atendimento das necessidades
inadiáveis da população.
Ante o exposto, presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris, defiro a liminar, para determinar à entidade ré a imediata suspensão do
movimento paredista dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, inclusive na forma de “operação-padrão” ou outra ação organizada que, direta ou indiretamente, venha a interferir nas rotinas, condutas e protocolos estabelecidos e normalmente adotados, no âmbito interno e no tratamento ao público, sob pena de multa de R$ 500.000,00 por dia de descumprimento.
Cite-se o réu, para resposta.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 06 de junho de 2025
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Ministro Benedito Gonçalves
Relator
Documento eletrônico VDA48012094 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006
Código de Controle do Documento: 46f0d411-e005-42cc-a5d9-f560c605328a
Signatário(a): BENEDITO GONÇALVES Assinado em: 06/06/2025 22:05:21